Do sonho da bailarina à carreira da professora
O incentivo à cultura no Rio Grande do Sul pelo olhar de quatro pessoas que respiram arte
Thays Londero, professora e diretora do estúdio de dança Em Cena em Frederico Westphalen (RS), dança é uma das defensoras da valorização da cultura no município. Foto: Caroline Lorenzetti.
#PraTodosVerem: Na imagem, uma bailarina alonga seu pé em uma barra de madeira e apoia sua mão sobre ele. Ela está usando uma calça preta, uma meia branca e uma sapatilha bege. A ponta de seu pé se curva para a frente. Ao fundo da imagem, há uma parede branca e algumas barras pretas, que estão desfocadas.
Uma reportagem de Caroline Schneider Lorenzetti, Caroline Siqueira, Julia de Sá e Maria Mariana do Nascimento.
Sonho: substantivo masculino que expressa o ato ou efeito de sonhar, trata-se de um conjunto de imagens, expectativas e fantasias que nascem no sono, mas que reverberam no despertar. Numa vertente psicológica, os sonhos são nossos desejos reprimidos, as vontades mais íntimas que tomam o rumo de nossas vidas. Apesar de serem fenômenos particulares de cada indivíduo, existem pessoas que compartilham dos mesmos sonhos. Passar no vestibular, conseguir um emprego estável, casar, viajar o mundo… são diversas as possibilidades.
​
​
​
​
​
​
“Obviamente, nem penso duas vezes. Nem que eu peça transferência pra outra faculdade. Eu vou”, afirma a bailarina Isabelle Mendonça ao perguntarmos sobre o que ela faria se recebesse alguma bolsa para dançar em alguma escola de dança, mesmo se preparando para iniciar o curso de Direito na PUC, em Porto Alegre. Isabelle - ou Belle, como os amigos a chamam - é uma jovem bailarina de 18 anos, que começou a dançar aos três anos de idade, incentivada e inspirada pelo filme Barbie e as Doze Princesas Bailarinas (2006). Disponível na Netflix, o filme conta a história de doze princesas que adoram dançar e encontram um mundo mágico onde podem fazer o que amam sem serem incomodadas. Nada melhor do que um filme que representa os desejos de uma criança de três anos: ser uma princesa bailarina.
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
A jovem também relata seus sonhos, enquanto bailarina, salientando as dificuldades que existem para alcançá-lo, devido a falta de incentivo para a cultura e para a dança no Brasil. Por isso, ela precisa pensar em outros planos e seguir fazendo o que ama, nem que seja apenas como hobby. “Se eu tivesse a oportunidade de dançar como uma profissão, com certeza faria. É muito gratificante tu ir dançar, ensaiar bastante e fazer várias coisas. Tu chega no palco e tu vê o salão de atos da URI, por exemplo, cheio e depois sair do palco com aquele sentimento de dever cumprido. Todo final de espetáculo é aquele chororô. Eu não vejo a minha vida longe disso! Se eu pudesse, eu dançaria profissionalmente como bailarina pro resto da minha vida”, comenta Isabelle.
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
Thays Londero, ao contrário de Belle, nunca sonhou em ser bailarina, o que sempre amou foi ensinar. Thays é proprietária do estúdio de dança Em Cena, de Frederico Westphalen. De forma alegre e divertida, ela nos conta que sempre quis ser professora de dança, desde os seus 13 anos de idade, quando teve seus primeiros alunos. Ela até se emociona ao relembrar as crianças que ela viu crescer ao ensinar as coreografias e guiar os seus passos sobre as sapatilhas.
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
Perguntamos para Thays sobre os seus sonhos e ela nos respondeu que o que mais espera é que a dança e os espetáculos se tornem mais acessíveis para todas as pessoas. “Eu acho que ter um acesso mais barato para a dança e os espetáculos. Poder ter um acesso barato com o incentivo da cultura, sabe?! Porque não é barato um aluguel de equipamentos de som, de luz, estrutura de cenário, figurino… Então, quem sabe, algo mais acessível, tanto pro público quanto pra quem dança. Ou até um anfiteatro maior e mais acessível para todas as pessoas”, afirma a professora. Thays também diz que, pensando no Em Cena, seu sonho é montar um estúdio próprio, “um espaço grande e diferente, com mais salas, que consiga trazer mais professores diferentes”.
​
“A dança provoca os nossos sentidos para elaborar a compreensão da vida”, afirma Eloísa Sampaio, coreógrafa e produtora cultural. Eloísa já foi bailarina, coreógrafa e também esteve junto na idealização e construção do estúdio de dança Em Cena. Ela afirma que um dos seus maiores desejos para Frederico Westphalen é ver, em cinco ou dez anos, o Em Cena consolidado como um centro de formação e produção de espetáculos. “Em termos de cidade também, que a gente possa ter essa dança acontecendo não só no final do ano, que a gente tenha produção autoral de dança pra pensar espetáculos, pra pensar performances, pra pensar ações que ganhem a cidade para além do espaço formativo do estudante ou daquela pessoa que tem como hobby a dança”, evidencia Eloísa.
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
Ela ainda é muito sincera conosco e mostra o grande interesse pela formação da dança de forma acessível nas cidades de interior, como Frederico Westphalen. Assim, Eloísa percebe, na nossa conversa, que o seu sonho é a existência de um cenário profissional da dança no município. “Você quer ser bailarino profissional, você pode ficar em Frederico, não precisa ir pra São Paulo. Você consegue se manter bailarino, coreógrafo, diretor aqui em Frederico e você não tem que ir pra Porto Alegre, Belo Horizonte. Ver esse cenário posto para que as pessoas não tenham que sair de onde elas estão para poder fazer o que elas querem é o mais significativo pra mim e, talvez, agora falando, esse seja o meu sonho”, explica.
​
Quando perguntamos como Isabelle enxerga a dança, seus olhos voltaram a brilhar e ela respondeu: "a dança é importante porque ela ajuda externalizar o que está acontecendo no mundo. Ela faz com que a gente consiga nos expressar de forma artística e inteligente sem perder a essência da arte, a arte expressa o que a realidade não consegue mostrar ou o que a realidade mostra e a gente tenta dar uma ‘mascarada’ para que fique bonito aos olhos”. A bailarina também acrescenta, com um sorriso no rosto, que a dança é um movimento plural, solidificado pela resistência ao contemplar desde movimentos políticos até para fins terapêuticos. É uma mistura de artes.
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
A primeira vez que Isabelle subiu em um palco ela tinha quatro anos e estava vestida de Branca de Neve, em um primeiro momento o nervosismo tomou conta da jovem, porém, quando se deparou com a plateia era como se aquele fosse o seu habitat natural. Ainda hoje, ela diz ter a mesma sensação, mesmo sem a fantasia da princesa encantada da Disney, o sonho de Belle permanece intacto e se concretiza a cada vez que ela está em cima de um palco.
​
Isabelle adjetiva o incentivo cultural como algo tenso, ela nos conta que percebe o descaso em relação ao seu trabalho como dançarina: “quando eu estudava na URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões), eu era a ‘bailarina’ da sala. Quando tinha alguma apresentação, achavam que era só chegar e dançar e não é bem assim, tem todo um preparo antes, tem o ensaio e técnicas que precisam ser aprimoradas. É um trabalho, a gente precisa receber por ele”. Isabelle também percebe que o público muitas vezes não reconhece a dança como uma forma de entretenimento que deva ser monetizada. "As pessoas preferem gastar com bebidas no Kamuflado (distribuidora que existia em Frederico Westphalen), do que pagar para ver uma bailarina dançar”, ela desabafa.
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
Para Giancarlo Panosso, presidente da Associação Cultural Atena (ACA), a cultura não chega nem perto de ser valorizada como ela precisa: "falta muito investimento tanto na escala municipal como na estadual e federal. De modo histórico, desde a ‘independência’ do Brasil, a questão da pluralidade cultural foi negada. Os investimentos para a cultura ainda estão muito escassos. Podemos perceber que em alguns momentos temos mais verbas para esse setor mas nunca é prioritário”, ele comenta. Giancarlo faz uma analogia, para explicar que a cultura precisa ser cultuada, ela é feita a partir de processos, é preciso plantar a semente e ter paciência para que ela cresça. Ele ainda acrescenta que uma das grandes dificuldades para o assentamento da cultura no Brasil advém dos governantes não a enxergarem dessa forma, esperam por resultados rápidos e acabam podando sementes que poderiam gerar grandes frutos no futuro.
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
Thays comenta que uma das maiores dificuldades em relação à cultura é o fato de que o contato ainda é muito restrito. “Muitas vezes as pessoas querem elitizar a cultura, quando ela tem que ir aonde as pessoas não têm acesso", diz ela. A professora ainda comenta que “quando o povo tem cultura, ele acaba não precisando ter uma arma na mão, acaba não precisando ser mal educado ou grosso, as pessoas dialogam mais, isso reflete nas crianças também". Thays acredita que o acesso à cultura possibilita a união entre as pessoas e idealiza que todos possam desfrutar dela em conjunto um dia.
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
​
Para Eloísa a dança provoca repensar o corpo em relação a tela, ao colocar temáticas em evidência e questioná-las, “ela consegue pegar no sensível de quem assiste”, diz ela com uma alegria contemplativa em seu semblante. Conseguimos sentir o amor pela dança no relato de cada uma das entrevistadas. Por mais diferentes que as trajetórias e os desejos sejam, essas mulheres compartilham o sonho de ver o que amam ganhar mais espaço nas políticas públicas do país em que vivem. Além de buscarem uma das coisas mais simples e ao mesmo tempo difícil nas sociedades: tornar os espaços acessíveis para que todas as pessoas provem da arte, entendam o amor pela dança, a importância do incentivo à cultura e, principalmente, sintam-se em cena, nem que seja por uma única vez.
Isabelle Mendonça, bailarina de 18 anos, diz que começou a dançar aos 3 anos depois de assistir ao filme Barbie e as doze bailarinas. Foto: Caroline Lorenzetti.
Thays Londero se emociona ao falar sobre sua relação com seus alunos no estúdio. Foto: Caroline Lorenzetti.
Eloísa Sampaio, dançarina e professora do estúdio Em Cena, apoia o estímulo local da dança, promovendo maior acesso a cultura no interior do estado. Foto: Caroline Lorenzetti.
#PraTodosVerem: Na imagem, há uma jovem sentada sob uma mesa de concreto. Ela está em uma praça, então existem pessoas sentadas em outra mesa, além de árvores e grades vermelhas atrás dela. Ela está sorrindo e não olha diretamente para a câmera. A jovem usa uma camiseta preta, tem cabelos médios e loiros escuros, que estão soltos. Ela está com a unha pintada de lilás e tem anéis em seus dedos.
#PraTodosVerem: Na imagem, há uma moça sentada ao chão sobre almofadas brancas com estampa de folhas verdes. Ela está sorrindo e não olha diretamente para a câmera. A moça usa uma camiseta branca com estampa preta, uma calça preta, meias brancas e sapatilhas de dança beges. Seu cabelo é escuro e longo, e está preso em um rabo de cavalo. Atrás dela, há um espelho que reflete suas costas e o restante da parede da sala onde está, que é um estúdio de dança. No canto esquerdo da imagem, há barras de madeira apoiadas na parede e em pés feitos de metal na cor preta. Essas barras também são refletidas pelo espelho.
#PraTodosVerem: Na imagem, há o rosto de uma mulher. Ela sorri, mas não olha diretamente para a câmera. A mulher usa uma blusa amarela, um colar marrom e óculos com uma armação arredondada na cor preta. Seu cabelo é escuro, curto e levemente ondulado. No fundo da imagem, há uma arquibancada de uma praça, feita de concreto nas cores cinza e azul. Também há uma espécie de plantas, que circulam o espaço onde a mulher está sentada, que também é feito de concreto nas cores cinza e azul.
Isabelle se sente em casa nos palcos e dança até mesmo sem música, em qualquer lugar. Foto: Caroline Lorenzetti.
#PraTodosVerem: A imagem mostra o corpo todo de uma bailarina. Ela está realizando um movimento de dança, onde o braço esquerdo é apontado para câmera e o braço direito aponta para a lateral de seu corpo. Ela está sorrindo e não olha diretamente para a câmera. A bailarina tem cabelos médios e castanhos, estão soltos. Ela uma uma camiseta preta com uma bailarina e a palavra "Em Cena" estampadas, além de um calção marrom. Ao fundo da imagem, há uma escada cinza com corrimão vermelho. No canto esquerdo, há uma pequena área de grama, com árvores e uma decoração de Natal representando um boneco de neve, que usa um casaco azul e um cachecol vermelho. Já no canto direito, também há uma decoração de Natal representando um boneco de neve, que usa roupas vermelhas.
Giancarlo Panosso é um defensor da cultura em todos os seus aspectos e busca promover o maior acesso comum a ela. Foto: Julia de Sá.
#PraTodosVerem: Na imagem, há um homem parado em frente a uma prateleira de livros. Ele segura um livro de capa amarela em sua mão e olha diretamente para o livro. Ele tem cabelos curtos e escuros, e não usa barba. Na imagem, ele está usando uma camisa gola polo azul marinho com alguns detalhes em branco. Na sua frente. há uma prateleira de livros e, em cima dela há alguns objetos que lembram soldados de guerra. No canto superior à direita, há um quadro pintado a mão, que tons vermelhos e azulados.
Incentivo à cultura no Rio Grande do Sul
Documentário completo
O sonho da bailarina à carreira da professora
Abaixo, confira dados sobre o histórico das companhias de dança no Rio Grande do Sul.